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CANNABIS E AUTISMO: UMA NOVA FRONTEIRA NO TRATAMENTO E QUALIDADE DE VIDA

Por Daniel Pereira

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) faz parte de um conjunto de transtornos do neurodesenvolvimento, caracterizados por déficits persistentes na comunicação e interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, segundo consta na 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) (1).

Tais transtornos tendem a se manifestar precocemente, geralmente, antes da idade escolar, e podem impactar significativamente a vida pessoal, social e acadêmica dos indivíduos, especialmente em ambientes pouco acessíveis ou que não oferecem suporte adequado. Estima-se que uma em cada 160 crianças no mundo seja diagnosticada com TEA. Dados na Organização das Nações Unidas (ONU) apontam globalmente cerca de 52 milhões de casos e perda de 7,7 milhões de anos de vida por incapacidade devido ao transtorno (2). No Brasil, a prevalência estimada é de 2 milhões de indivíduos.

Abril é o mês de conscientização sobre o autismo, período dedicado a ampliar o debate sobre o TEA e suas abordagens terapêuticas. Nesse contexto, é importante discutir alternativas que possam melhorar a qualidade de vida de autistas.

Embora o TEA seja uma condição do neurodesenvolvimento sem cura, diferentes abordagens podem ajudar a minimizar as dificuldades e potencializar as habilidades dos indivíduos. Nesse contexto, os produtos à base de Cannabis sativa L. têm sido objeto de vários estudos que já demonstram seu potencial como alternativa terapêutica relevante no tratamento do transtorno (3).

A ciência tem investigado, por exemplo, a relação do Sistema Endocanabinoide (SEC) – presente em nosso organismo – com o TEA, evidenciando seu papel fundamental no processo de formação dos neurônios nas fases embrionária e adulta. O SEC participa da modulação de diversas etapas do desenvolvimento do cérebro, incluindo a sobrevivência das células nervosas. Dessa forma, alterações nesse sistema podem estar associadas a transtornos do neurodesenvolvimento, incluindo o TEA (4).

Estudos clínicos recentes indicam que o aumento da ação da anandamida no organismo (AEA), um endocanabinoide, por fármacos que inibem sua enzima de degradação FAAH (Hidrolase de Amida de Ácido Graxo), pode corrigir prejuízos comportamentais relacionados ao transtorno. Um desses estudos analisou os níveis séricos dos principais endocanabinoides palmitoiletanolamina (PEA) e N-oleoiletanolamina (OEA) – em 93 crianças com transtorno do espectro autista (TEA) e 93 crianças sem alterações no desenvolvimento neurológico, pareadas por idade e gênero. Os resultados indicaram níveis reduzidos dessas substâncias no grupo com TEA (5).

A farmacologia da PEA revelou sua capacidade de inibir a enzima FAAH (Hidrolase de Amida de Ácido Graxo) – responsável pela degradação de endocanabinoides –, promovendo um aumento da concentração de AEA (anandamida). Tal mecanismo sugere a PEA como uma alternativa terapêutica complementar para pacientes autistas com deficiência de AEA, contribuindo para a regulação do sistema endocanabinoide.

Neste contexto, o extrato de Cannabis medicinal contendo canabidiol (CBD) se apresenta como uma estratégia promissora para o manejo dos sintomas do TEA, destacando-se, especialmente, por sua alta tolerabilidade, baixo potencial abusivo e baixa toxicidade (6).

No Brasil, também temos dados animadores. Em 2022, foi publicado, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), um estudo randomizado, duplo-cego e placebo controlado, cujos resultados mostraram que não houve prejuízo em nenhuma das funções cognitivas avaliadas no grupo da Cannabis após o uso do produto (7). Neste levantamento, foram observadas melhoras relacionadas ao raciocínio, coordenação motora, reconhecimento de expressões faciais e teoria da mente após o uso do óleo de cannabis.

O ano de 2024 representou um marco no uso de produtos à base de cannabis para fins medicinais, especialmente no tratamento do autismo. Um avanço significativo foi a apresentação do protocolo de acesso aos derivados de Cannabis spp. para o manejo do comportamento agressivo no transtorno do espectro autista na rede pública de saúde do Estado de Sergipe. Iniciativas como essa consolidam as evidências científicas que demonstram o poder terapêutico dos fitocanabinoides na melhoria da qualidade de vida de pacientes autistas (8). Além disso, estabelece um modelo para que outros estados brasileiros desenvolvam protocolos semelhantes e, futuramente, para a criação de uma diretriz de abrangência nacional.

Embora sejam necessárias mais investigações clínicas sobre os efeitos da Cannabis medicinal no TEA, o avanço das pesquisas nessa área abre novas perspectivas para pacientes e familiares que buscam alternativas seguras e eficazes. Contudo, é essencial que as abordagens terapêuticas sejam conduzidas sob orientação médica e com base nas melhores evidências científicas disponíveis.

Daniel Pereira é Medical Science Liaison da Endogen, healthtech especializada em produtos de nutrição clínica e de Cannabis medicinal. Farmacêutico, Bioquímico, Mestre em ciência, pós-graduando em fitoterapia, farmácia clínica e hospitalar, cursando MBA em Pesquisa Clínica e professor universitário de graduação de farmácia e biomedicina.

Referências:

1 – American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 – 5a Edição. 2014.
2– Organização das Nações Unidas-ONU. Transtorno do espectro autista. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do- -espectro-autista. Acesso em 19 de Set. de 2023.
3 – BOSA, Cleonice Alves. Autismo: intervenções psicoeducacionais. Disponível em: https:// www.scielo.br/j/rbp/a/FPHKndGWRRYPFvQTcBwGHNn/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 12 de Set. de 2023.
4 – Bernaerts S, Boets B, Bosmans G, Steyaert J, Alaerts K. Behavioral effects of multiple-dose oxytocin treatment in autism: a randomized, placebo-controlled trial with long-term follow-up. Mol Autism. 2020 Jan 15;11(1):6. doi: 10.1186/s13229-020-0313-1.
5 – Link https://saude.se.gov.br/wp-content/uploads/2024/08/Protocolos-Cannabis-SPP-Autismo.pdf
6 – Pedrazzi JFC, Ferreira FR, Silva-Amaral D, Lima DA Hallak JEC, Zuardi AW, Del-Bel EA, Guimarães FS, Costa KCM, Campos AC, Crippa ACS, Crippa JAS. Cannabidiol for the treatment of autism spectrum disorder: hope or hype? Psychopharmacology (Berl). 2022 Sep;239(9):2713-2734. doi: 10.1007/s00213-022-06196-4. Epub 2022 Jul 29. PMID: 35904579.
7- SILVA JUNIOR, E. A. D. Avaliação da eficácia e segurança do extrato de Cannabis rico em canabidiol em crianças com o transtorno do espectro autista: “ensaio clínico randomizado, duplo-cego e placebo controlado”, 2020. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/25266 acesso em: 25 de set. de 2023.
8 – Link https://saude.se.gov.br/wp-content/uploads/2024/08/Protocolos-Cannabis-SPP-Autismo.pdf

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